Ser intercambista é..

Ser intercambista é.. Acordar, olhar novamente para o teto, continuar se perguntando como veio parar aqui, põem roupão, tira roupão, “será que já tenho intimidade para um roupão?”, põem roupão de novo, dá passos leves, respira aliviado quando entra no banheiro, “tomar banho de pé em uma banheira?”, mais uma vez se perguntar como veio parar aqui, “quem toma banho de pé em banheira?”, rir sozinho, v
er o fluxo contrário da privada, entrar no banho, achar que tá tudo bem, puta que pariu, alagar o banheiro, “maldita cortina fina”, menos de 48hr longe de casa e já causou, toalha ensopada, travar uma guerra com a ordem e a boa educação, sair como um cavalheiro, nada aconteceu, seguindo em frente, mais passos leves, outro leve suspiro quando chega no quarto, escolhe roupa, troca roupa, controle, dobra e coloca na gaveta, se olha no espelho, discurso mental motivador, sai do quarto, entra no quarto, arruma a cama, tenta arrumar a cama, descobre que é um desastre nisso, só estica o edredom por cima de tudo, se sente uma diarista, pensa na avó, “moleque, você vai ter que se cuidar lá”, “essa é para você, vó”, fica um pouco mais orgulhoso por ter arrumado a cama, se olha no espelho novamente, turbilhão de pensamentos, expectativas, primeiro vôo solo, socos no ar, “eye of the tiger”, passa a loucura, desce casual, bom dia para a nova família, conversa sobre o tempo, conversa sobre seu país, cereal, come intensamente para evitar mais conversa, prato na pia, “mais essa, vó, pra você!”, revisão nos horários, orientação de ponto de encontro, acha que entendeu tudo, não tem tanta certeza, simbora, cabeça pra frente, nova rotina, respira fundo e está pronto para sua nova “nada mole” vida. Ou acha que está, até ver que acabou de perder o único ônibus no meio de um intervalo de 2hr, atraso, desespero, taxi, não tem um telefone ainda, só resta esperar, música, música, mais música, “hellskid”, ônibus no horizonte, felicidade inigualável, tristeza inigualável, não existe troco, desespero, vontade de beijar o motorista, “hay, that’s okay, you can go”, música, fotos das ruas, fotos das paisagens, fotos dos lagos, fotos bobas de si mesmo, “não é tão perto assim”, trinta minutos no ônibus, “me perdi, certeza”, pergunta dez vezes para o motorista se o ônibus está indo para o destino certo, entra outro brasileiro, felicidade inexplicável, alívio por falar português, pergunta o que está achando, se pergunta mais uma vez como veio parar aqui, nostalgia da sua cidade e seus costumes, chega no destino, vê a dificuldade que foi para ir de casa até o shopping, mais um pouco de desespero, indagações e incertezas se tudo vai dar certo, só quer voltar para casa e não se preocupar, momento ruim, fome bate, fast food, seu cartão não passa, sem dinheiro vivo, a fome te dá um chute na barriga, “só comigo, não pode ser…”, já imagina toda a burocracia para um cartão novo – que passe, de preferência, encontra uma pessoa conhecida, fala da situação de merda, mesmo sem te dever nada ela te paga um lanche, obrigado, obrigado e mais uma vez obrigado, ombro amigo, “é aquele lugar que não aceita visa, fica tranquilo, aconteceu com fulano”, um sorriso surge no canto da boca, incertezas vão desaparecendo e pela primeira vez você esquece que está longe da sua família, voando por suas próprias asas; e isso porque existem pessoas na mesma situação, que te vêem como um pedaço de casa, como um conforto, independente da região, sotaque, cor de pele, aparência e/ou gostos. Confiança retorna à cabeça e sabe que não está mais sozinho, está finalmente pronto para viver o que a experiência proporciona, esquece todos os problemas que já teve, agora tem um celular que te deixa conectado com sua nova “família”, duas mil mensagens em dois dias, começa a conhecer as pessoas a fundo, reclama dos canadenses anti-sociais, gargalhadas sem fim da estranheza da nova cultura, “se viu aquela menina com um piercing no meio dos peitos? Sou só eu que acho estranho?”, gargalha mais ainda com o comentário esdruxulo, começa a dividir o peso das saudades nas costas dos seus amigos, o tempo começa a melhorar, já acerta a rota para o shopping de primeira e isso porque quer ver ansiosamente aquela menina do sorriso bonito que te lembra alguém, vê as pessoas novas tendo o mesmo problema com o cartão, se sente veterano de guerra ajudando, expande seu grupo social, já esqueceu completamente a meta de conhecer canadenses, agora só quer se aproximar para descobrir festas e contar para os seus parceiros, o tempo vai passando e a vida levando, fica surpreendido como passou rápido, olha para um lado e vê um irmão, olha para o outro e vê uma irmã, já não vive mais sem, começa a cultivar um ódio pelas outras culturas, vê que Brasil é vida, os laços se tornam ainda mais intensos e finalmente você está vivendo, você está aproveitando. E o melhor de tudo é a possibilidade de dividir isso com pessoas que você – já nessa altura – sabe que ama, sabe que cobriria a retaguarda e sabe que existe a reciprocidade da coisa, porque aqui, nessa loucura fria, o sangue é vermelho e somos todos iguais. Mais um problema, ontem faltavam três meses para a volta, hoje faltam quinze dias, você se vê em uma situação complicada, sua vida anterior é uma lembrança, intercâmbio é realidade, vir para cá é até logo, voltar para lá é adeus, aflição, nostalgia prematura, vontade de ficar para sempre, agradecer constantemente à todos pela oportunidade de esboçar um sorriso todos os dias, negação, a vida bate na sua porta e pede para você acordar do sonho, mesmo “faltando quinze dias” voltar para o Brasil ainda é algo do futuro, tenta não pensar, discursos motivadores para aproveitar os últimos dias juntos, confiança, “como se tá se sentindo, cara?”, “minha ficha ainda não caiu”, a gangue começa a se despedaçar: alguns estão indo embora, chororô, mais chororô, lágrimas de um rio, superação, independente do caminho que cada um siga estarão todos sempre no coração e você começa a entender. A entender que não se trata sobre o lugar, a experiência e/ou a nova cultura; se trata sobre suas relações, laços intensos, sorrisos aconchegantes e um pedaço de casa na forma da melhor simpatia possível no papo de cada um. Sem isso nada seria, gratidão, “porra, você não faz ideia do quanto vou sentir sua falta”, começa a engolir pesado só de pensar que mais e mais pessoas estão indo embora, volta a ser fraco e se encontra novamente nas dificuldades de cinco meses atrás, mas dessa vez diferente: todas as páginas estão escritas e o sentimento de terminar de ler um livro épico vem à tona, levando você à aplausos pela belíssima história contada. Percebe que, – no final das contas – nunca teve dificuldades e nada se compara a “largar os protagonistas do seu show”, sem eles o palco é grande e solitário, o herói se ofusca e os aplausos não são tão altos. E como todos sabem, brasileiros são barulhentos e aplausos baixos não são uma opção, por isso nos agarramos uns aos outros a cada segundo e brindamos ao mundo pelo nosso sucesso – bem alto -, para assim, podermos imprimir nossas marcas por onde passamos… Ou por quem passamos… E isso, meus grandes amigos, fiquem tranquilos que vocês fizeram bem: não importa o lugar que cada um esteja no mundo – seja hoje ou amanhã-, vocês sempre terão meu respeito, minha gentileza e meu coração; em memória desses incríveis, insubstituíveis e indiscutíveis dias que passamos um do lado do outro. O tempo de nossas vidas!
Muito obrigado por terem me acompanhado nessa jornada.
E eu ainda não me conformo com essa idéia futil de ''mais já acabou..'' pra mim isso não tem fim! p sempre comigo, onde eu for! ♥






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